A Operação Carne Fraca expôs uma rede de corrupção envolvendo frigoríficos e fiscais agropecuários para liberar produtos sem verificação, incluindo até carnes impróprias ao consumo.
Para além das críticas ao comportamento de grandes empresas do setor, como JBS (donas da Friboi e Seara) e BRF (donas da Perdigão e Sadia), da indignação coletiva e das piadas e memes gerados, há quem denuncie supostos interesses econômicos internacionais e políticos nacionais por trás da operação. Alertam que isso pode enfraquecer o setor de frigoríficos brasileiro e sua projeção internacional.
Entendo o incômodo deles e respeito o ponto de vista. E se houver distorções na operação, os responsáveis devem ser punidos. Mas permitam-me educadamente discordar. Pois a questão da soberania não envolve apenas o interesse de industriais e de grandes produtores rurais, mas do conjunto dos trabalhadores e da sociedade.
Não é de hoje que o setor de produção de proteína animal, por sua natureza, influência política e forma de atuação, tem causado trabalho análogo ao de escravo, superexploração e morte de operários em unidades de processamentos, violência contra populações tradicionais, crimes ambientais, roubo de terras públicas, contaminação de reservas de água, sofrimento desnecessário de animais.
Nos últimos 20 anos, estive em mais ações de resgate de pessoas escravizadas em fazendas de gado do que gostaria, vi trabalhadores que perderam partes do corpo em frigoríficos que nunca vou esquecer, presenciei a realidade de indígenas vítimas de violência por parte de produtores que fornecem a grandes grupos. Ao mesmo tempo, tenho dialogado com grandes empresas do setor, verificando que melhorias têm acontecido – mas não no ritmo necessário para garantir que dignidade não seja algo do qual apenas a próxima geração irá se beneficiar.
Tenho rodado o país para cobrir o desrespeito aos direitos fundamentais causados por um modelo de desenvolvimento que, sob a justificativa da soberania nacional, a mesma usada pela ditadura civil-militar, passou o rolo compressor por cima de famílias do campo. Que não só impossibilitou uma reforma agrária ampla, mas, levou a mais concentração fundiária, financiando tudo isso com dinheiro público – basta ver o quanto o setor de frigoríficos recebeu.
Modelo que foi aplicado pelo PSDB/DEM e PT/PMDB sem nenhuma cerimônia.
Por que um grupo inteligente e esclarecido de formadores de opinião, de esquerda ou direita, considera que o capital nacional explorar as comunidades no campo é muito diferente do Centro mundial explorar a Periferia? Os resultados são iguais e a história está aí para mostrar, aliás, que o capitalismo na Periferia, por ignorar regras do jogo e as reclamações da sociedade, é mais truculento que o capitalismo no Centro. É inocência pensar que empresas brasileiras atuam, necessariamente, em nome de um ''interesse nacional''.
Fonte: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2017/03/19/criticar-a-carne-fraca-com-base-em-nacionalismo-e-tapa-nos-trabalhadores/